Fim de tarde em
Anápolis: um friozinho básico, o Sol dando seus últimos passos na dança celeste
e a Lua Crescente começando a se exibir. Desci do carro dando de cara com essa bela
Lua e uma placa que dizia “Centro Islâmico de Anápolis”. Era 24 de maio de
2018, quinta-feira, momento de conhecer pessoalmente o xeique Nasser Sahim,
responsável pela até agora única mesquita no estado de Goiás.
Apertei o interfone
várias vezes. Até pensei que aquilo não daria em nada, pelo menos naquele dia,
mas então o portão se abriu. Avistei o xeique ao longe, no estacionamento do
templo islâmico. Ele também acenou. Trocamos os clássicos “As salamu alaikum!”e apertos
de mão e de ombro.
- Seja bem-vindo! – disse em
português, numa entonação que demonstrava que ele não era brasileiro.
Fomos
até seu escritório repleto de estantes de livros, cartazes, sofás e uma mesa
abarrotada de papéis e com um computador. Ele convidou-me para sentar em um dos
sofás, trocamos mais algumas palavras e então ele me encheu de livros de
Teologia Islâmica e um calendário feito pela FAMBRAS (Federação das Associações
Muçulmanas do Brasil) comparando nossos meses de maio e junho deste ano com o vigente
mês do ramaḍān do ano islâmico atual, 1439. O calendário também tinha os
horários corretos para cada oração.
Nesse momento, lembrei, de mim para mim, a busca por refúgio,
por parte do Profeta, da cidade de Meca para até então Yatrib (futura “Medina”),
em 622, episódio conhecido como “Hégira”. Anos depois, durante o Califado de
Omar (634-644), a Hégira foi oficializada como o marco inicial do calendário
islâmico, sendo o ano cristão 622 correspondente ao ano 01 islâmico. Naquele califado
em expansão, era preciso não só uma forma de registro do tempo, mas também
elementos de identidade própria ao Islã, uma fé em constante crescimento social
e institucional. Nesse processo, nada melhor do que um calendário específico
para aquela religião/aquele poder político.
Mas não vou me deter muito em digressões sobre temporalidades...
Voltemos à minha visita.
Xeique Nasser é um sacerdote islâmico
sunnita, nascido no Egito. Está no Brasil há 9 anos. Trabalhou, primeiramente,
no Mato Grosso do Sul, depois veio para Anápolis, que recebeu imigrantes árabes
e muçulmanos em quantidade considerável, talvez por isso seja a única cidade de
Goiás que até agora tem uma mesquita. Em Trindade há uma muṣṣāla (sala de oração) e em Jataí há um centro
religioso que, segundo o xeique Nasser, não chega a se constituir como uma
mesquita. Perguntei como estava o movimento de fiéis na mesquita neste ramaḍān e ele disse que estava bom, e me convidou para um jantar de
quebra-de-jejum dali a dois domingos.
No decorrer da conversa me
apresentei, claro, como historiador formado pela UEG (Universidade Estadual de
Goiás) de Anápolis e que agora é estudante da UFG (Universidade Federal de
Goiás) em Goiânia. Também falei que trabalho no IFG (Instituto Federal de
Goiás), Câmpus Anápolis, onde também atuo como pesquisador. Isso tudo foi a introdução
para meu objetivo acadêmico principal: fazer uma pesquisa sobre a mesquita (ou
algo na área).
O xeique gostou da ideia. Disse que
me ajudaria e já me deu algumas informações: a mesquita foi fundada em 1975 e
seu terreno doado por um não muçulmano. Ele falou muito sobre esse bem feitor,
mas não consegui entender seu português muito bem. Mas entendi quando ele disse
que depois me mostraria fotos da época da fundação do templo e alguns
documentos. Isso é alegria para historiador!
Sendo assim, considerei esse encontro um bom primeiro contato. Espero
que seja só o início de um bom e longo convívio.
Uma palestra de um embaixador
sírio sobre a guerra na Síria e um doutorando em História fissurado pelos temas
do Oriente Médio: está aí um programaço para sábado! (ou não). Este é o
primeiro relato oficial das minhas peripécias e cotidianos como pesquisador e
estudioso da história árabe e islâmica. Já deveria ter começado isso bem antes,
mas tudo bem. Outros relatos virão.
A palestra – organizada pelo
Comitê de Amizade e Solidariedade Brasil-Síria e pela Federação de Mulheres -
foi no Auditório Solon Amaral, na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, em
Goiânia, no sábado, dia 19 de maio de 2018, das 15 horas até umas 18 horas. O
palestrante foi o embaixador sírio no Brasil Mohammad Khafif. Como convidados,
a sociedade no geral. Quando falo “no geral”, foi no geral mesmo, pois o
auditório se tornou uma representação do Brasil: cores, etnias, credos,
tendências políticas e organizações político-sociais de todo tipo, de mulheres
feministas da Mama África e grupos de imigrantes sírios e libaneses até
organizações religiosas sírio-brasileiras passando por representantes do PT
(Partido dos Trabalhadores), do Sindicato dos Professores da Rede Privada do
Estado de Goiás e de uma organização contra o neoliberalismo mundial. Peco em
não lembrar os nomes exatos de todos os grupos. Como brinquei com a amiga
jornalista que estava comigo: “Só falta aparecer aquela organização que os
Mamonas falam em “Uma Arlinda Mulher”: a Associação Internacional de Proteção
às Borboletas do Afeganistão”.
Uma matéria jornalística
dizia o seguinte sobre o embaixador: “nomeado pelo presidente da República
Árabe da Síria, Bashar Al-Assad, um médico oftalmologista, com especialização
em Londres, Inglaterra, Mohammad Khafif é formado em Direito pela Faculdade de
Direito da Universidade de Damasco e tem doutorado em Direito Público
Internacional pela Universidade de Leipzig na Alemanha”.
Sobre a palestra, a mesma
matéria informava o que se segue: “A proposta é desconstruir a ‘versão falsa’
espalhada pelos grandes conglomerados de comunicação do mundo, denunciar a
ocupação do seu território por EUA, Israel e Turquia e mostrar os crimes do
Estado Islâmico e da Frente Al-Nusra”.
Por essa breve leitura, percebi
de antemão que o evento seria complicado, não pelo levantamento, em quantidade
grande e diversa, de dados e teorias, mas pela questão da propaganda política
pró-Assad, visto como anjo por alguns e como demônio por outros.
Mohammad Khafif leu seu brilhante resumo sobre
a história da Síria, uma visão panorâmica focando nos conflitos políticos e
militares contemporâneos. Ele afirmou que a guerra, que envolve outros países,
é uma ameaça à soberania síria e à garantia dos direitos humanos ao seu povo.
Nisso ele está certo, sem sombra de dúvida. No entanto, seu discurso não trouxe
à tona a complexidade do conflito, alimentado por diferentes grupos políticos e
grupos armados, tanto internos quanto externos, com distintos interesses
específicos. O embaixador falou em uma conspiração ocidental, comandada pelos
Estados Unidos da América, contra o exército sírio, o povo sírio e o governo,
conspiração essa que a grande mídia ajuda a divulgar. Seu discurso unificou
muitos atores e forças sociais, quando, o que observamos daqui, por meio da mídia
e, mais ainda, por meio de sérios estudos acadêmicos, são visões diferentes,
cujo breve resumo apresentarei a seguir.
Iniciada em princípios de
2011, após dura repressão do regime Al-Assad às manifestações populares
desencadeadas pela Primavera Árabe, a guerra na Síria dura até hoje, fazendo oito
anos. As forças externas ao lado do regime Al-Assad são Rússia, Irã e
Hezbollah, a milícia libanesa xiita. As forças exógenas contrárias ao governo
sírio incluem países como EUA, França, Reino Unido, Arábia Saudita e Turquia.
Dentro da Síria, vários grupos armados, desde os mais extremistas, como o Daesh
(“Estado Islâmico”), a grupos considerados mais moderados, como o Exército
Livre da Síria e o grupo curdo Unidade de Defesa Popular. Esses grupos internos
citados são contra o regime Al-Assad e não, não são aliados entre si, o que
torna o conflito bem complexo.
Dizendo apresentar a “verdade
dos fatos” (expressão um tanto complicada), creio que o discurso do embaixador
pecou em não aprofundar mais a temática. Além disso, a propaganda pró-Al-Assad,
feita por ele, beirou o risível: ao ser questionado por alguém da plateia sobre
como o presidente Bashar Al-Assad estava vivendo com a guerra, o embaixador
informou que o presidente estava bem de saúde física e mental, que andava com
seu carro sem nenhum segurança pelas cidades e que visitava os enfermos não nos
hospitais, mas em suas casas.
Oras, que presidente é esse
que consegue tempo e condições para realizar tais atividades em um país
devastado há quase uma década pela guerra?
Não quero posar de
implicante. Muito menos desconsiderar todo o discurso do embaixador nem
defender a guerra. Não é isso. Como historiador, uso discursos como fontes e,
em nosso ofício de conhecimento histórico científico, indagamos e questionamos
as fontes, pois nenhuma delas carrega Verdades Absolutas, mas suas próprias
verdades. Sendo assim, eu levantei, naquele dia, duas questões (de mim para
mim):
1 – Por quê e como a família
Al-Assad está no poder desde o ano de 1970?
2 – Se certos setores e
grupos, tanto sírios quanto brasileiros, defendem um presidente tão
carismático, popular e cuidador do seu povo, como explicar a situação histórica
dos imigrantes e, principalmente, dos refugiados sírios?
Creio que são questões que
devem permear todo esse debate e a reconstrução dos conflitos na Síria, mas
tendo em mente que nunca chegaremos à Verdade Absoluta de nada, ainda mais com
a História, essa ciência que, como diria o historiador francês Pierre Nora, é
uma “reconstrução sempre problemática e incompleta daquilo que não é mais”.
Nessa perspectiva, não
podemos reduzir os acontecimentos históricos e, principalmente, os conflito militares
atuais, a campos com dois polos, com “vilões” de um lado e “mocinhos” do outro.
As alianças internas e externas no contexto da Guerra na Síria também não são
formadas por questão de amizades e simpatias, mas por interesses. Por exemplo,
além de buscar maior protagonismo no cenário geopolítico mundial, a Rússia
apoia o regime Al-Assad porque sua única base militar no Mediterrâneo, a Base
Tartus, está no litoral sírio. A construção dessa base teve seus princípios no
contexto da Guerra dos Seis Dias de 1967, quando a então União Soviética (URSS)
deu apoio tático e militar à Síria contra seu inimigo na ocasião, o Estado de
Israel.
Espero, com este relato, ter
contribuído para um maior entendimento sobre o evento da Guerra na Síria
(2011-) e também para a ideia de estudos históricos mais aprofundados que abordem
as complexidades dos interesses e das relações geopolíticas.
As
samalu alaikum!
Referências
BRANCOLI,
Fernando. O conflito na Síria e a geopolítica no Oriente Médio. In: Chutando a Escada 017 (podcast).
Ramadan! Já
ouviu essa palavra, certo? Mas o que essa palavra nomeia: um mês? Um tipo
especial de jejum? Quando começou? Fiquem calmos e respirem fundo porque hoje
vamos aprender sobre isso.
Introdução
O Islã tem 5 pilares: a fé
(ou testemunho da fé), a oração, o zakat (que pode ser entendido com um
tributo social e religioso), o jejum durante o Ramadan e a peregrinação
a cidade santa de Meca. "Ramadan" é o nome do nono mês do calendário islâmico. Na ordem dos meses, é como se fosse o mês de Setembro do calendário cristão. Enquanto que o calendário cristão é solar, o calendário islâmico é lunar, baseado nas observações da Lua, por isso o ano islâmico tem, ao todo, 354 dias, podendo ter 6 meses com 30 dias e outros 6 meses com 29 dias. Sendo assim, o jejum do Ramadan começou na semana passada, exatamente na quinta-feira, dia 17 de maio. O número total de dias do mês vai depender das observações da Lua. Lembrando que estamos no ano islâmico 1439, ou seja, no ano 1439 após a Hégira do Profeta. Uma curiosidade: "Ramandan" é uma convenção de pronúncia em português, ou pelo menos em boa parte do mundo ocidental. A pronúncia correta, em árabe clássico e em sentido religioso é "Ramaḍān" ou "Romaḍān". Em ambas as pronúncias, o "ḍ" é grave, pesado: "ḍān".
Há essas duas pronúncias do r
com o som da vogal a, “rá”, ou com o som da vogal “o”,“ró”. Eu
prefiro falar com “rá”: Ramaḍān. Aqui, obedecendo ao uso comum da palavra,
vou utilizar “Ramadan” mesmo, mas lembrando, a pronúncia em árabe
clássico é “Ramaḍān” ou “Romaḍān”.
No Ramadan, os
muçulmanos devem evitar algumas coisas, devem se abster de algumas coisas do
nascer ao pôr-do-Sol, o que dá aí um período de mais ou menos 12 horas por dia.
Em certos países, cerca de 18 horas por dia. Logo, as ideias de jejuar o dia
inteiro e durante todo o mês são más informações.
E do que os muçulmanos devem
se abster? De comida, de bebida, de relações sexuais, de pensamentos
pecaminosos, de mentiras e de demais coisas vistas como pecaminosas. Para saber
sobre todas essas proibições é preciso um estudo mais aprofundado sobre
teologia islâmica. Neste texto, quero apenas iniciar uma explicação do tema,
então saibam isso: o Ramadan é o nono mês do calendário islâmico, quando
os muçulmanos devem, da alvorada ao pôr-do-Sol, fazer jejum de comidas,
bebidas, sexo, mentiras, dentre outras coisas.
Lembrando que o ano cristão
622 é equivalente ao ano 1 islâmico. No ano cristão 624, ou ano islâmico 2, o
jejum do Ramadan passou a se tornar obrigatório para todo muçulmano e
muçulmana que tenham atingido a puberdade e que tenham saúde física e mental.
Regras
e Tradições
Até agora tudo entendido!
Mas e quem não puder jejuar? O Islã também tem regras para isso (e para outros
diversos temas e casos). Para quem estiver doente, for idoso, estiver em viagem
ou grávida ou amamentando é permitido a quebra do jejum, mas o jejum deverá ser
realizado, pelo mesmo número de dias, em outra época do ano, em um período mais
propício para essa pessoa em condições especiais. Se, mesmo assim houver
incapacidade física para realizar o jejum, o fiel deve alimentar uma pessoa
necessitada, sendo ela muçulmana ou não, para cada dia não jejuado.
O Ramadan é o mês
santo por excelência dos muçulmanos, pois é nele que se comemora a Noite do
Decreto (Al-laylatu al-qadr), quando,
segundo as tradições religiosas, Deus autorizou a descida de Sua Palavra, o
Alcorão, aos homens. Então, o Ramadan não deixa de ser uma festividade
religiosa.
Como consequência da Noite
do Decreto, houve a Revelação da mensagem divina ao Profeta.
Conta uma tradição que, na chamada Noite do Poder ou
Noite do Destino, enquanto meditava em uma das cavernas nas cercanias de Meca,
o arcanjo Gabriel apareceu a Muḥammad ordenando-o a recitar a mensagem divina.
Mesmo sendo iletrado, Muḥammad recitou a palavra de Deus pela primeira vez a
partir do que ouviu do Arcanjo Gabriel. Isso foi o início da atividade
religiosa do até ali mercador. Acredita-se que era o ano de 610 e que Muḥammad
tinha cerca de quarenta anos. Daí em diante, ele divulgou sua mensagem: só há
um Deus, Criador de tudo, todos e de todas as coisas.
Mais uma curiosidade: antes do advento do Islã, os árabes
politeístas também consideravam o Ramadan como mês sagrado, sendo também
comum nesse período a prática do jejum. O Islã ressignificou as atividades
religiosas do mês, ou seja, lhe deu novos significados e sentidos,
associando-as ao monoteísmo defendido por Muḥammad.
Espiritualidade e Memória
O Ramadan tem forte significado
espiritual para a Umma, a comunidade dos muçulmanos, e é o mês em que se
considera que a graça de Deus flui sobre a comunidade dos fiéis. Vejamos alguns
significados espirituais desse mês.
No Ramadan, o jejum é
encarado como um método de purificação espiritual e pessoal. Provando os
desconfortos mundanos, mesmo por um curto período, 1 mês, o fiel pode adquirir
simpatia pelas pessoas necessitadas e, ao mesmo tempo, desenvolver sua vida
espiritual.
O Ramadan é um mês de
reflexão espiritual no qual os muçulmanos devem se dedicar ainda mais à humildade,
às boas ações, à caridade e à generosidade. É tempo de autocontrole e
autodisciplina, tempo para o fiel educar o corpo e a mente para vencer os
desejos humanos e se aproximar do Divino. Por isso, não é raro não-muçulmanos
serem convidados para a quebra do jejum e para demais eventos envolvendo o mês
sagrado. Em países oficialmente islâmico e/ou, de maioria muçulmana, é comum
que a quebra do jejum, ou seja, a refeição após o pôr-do-Sol, seja um evento
coletivo grande, uma atividade social e tanto, na qual as pessoas são
convidadas umas às casas das outras para comer.
Logo, os significados do Ramadan envolvem atividades de partilha
com o próximo, de comunhão coletiva e social, desde com a comunidade mais
próxima dos muçulmanos, seus vizinhos, muçulmanos ou não, à comunidade maior
dos fiéis em certa localidade.
Assim, como defende o
historiador Felipe Maíllo Salgado (2013), o Ramadan é, para a comunidade
muçulmana, um testemunho de unidade, o que dá identidade à Umma, e
também um testemunho de solidariedade.
Para finalizar, ainda
conforme Maíllo Salgado (2013), no decorrer do Ramadan também são
lembrados outros eventos e/ou narrativas. Exemplos: os xiitas relembram o
nascimento de Husayn, neto do Profeta; a morte de Ali, primo e genro do
Profeta; e ambos, xiitas e sunnitas, rememoram a morte da primeira esposa do
Profeta, Khadija; a Batalha de Badr, que foi a primeira batalha entre os
muçulmanos e os habitantes de Meca e a tomada de Meca pelos muçulmanos.
Referências
ARMSTRONG, Karen. Maomé:
uma biografia do Profeta. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
HAYEK,
Samir El. Compreenda o Islam e os muçulmanos. Edição especial do
Instituto Latino-Americano dos Estudos Islâmicos – Brasil; Supervisão Mabarrat
“Manábi´il Khair” – Kuwait.
HOURANI, Albert. Uma
história dos povos árabes. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
MAÍLLO SALGADO, Felipe. Diccionario de historia
árabe & islámica. Madrid: Abada Editores,
2013.
Agora vamos abordar,
de forma introdutória, as Cruzadas. Posteriormente, farei um texto mais aprofundado
sobre o tema. Então, o que foram as Cruzadas?
Enquanto o Islã crescia religiosa, cultural,
política e territorialmente, os reinos europeus ocidentais estavam divididos e
enfraquecidos. Karen Armstrong (2002) até fala que o Islã era a potência na
época. No entanto, podemos questionar essa ideia de “potência”. Claro que o
Islã tinha grande poder no período medieval, mas lembro que seu território e
suas jurisdições políticas não estavam unificadas e unidas, mas divididas nas
formas de vários califados. Mas chegou um momento em que as coisas começaram a
mudar para os reinos europeus ocidentais. Vallejo (2009) situa essas mudanças entre
os séculos XI e XIII.
O que aconteceu com a Europa nesse período?
De forma geral, climas melhores favoreceram mais colheitas e mais alimentos
para uma população que já estava crescendo muito. Também houve desenvolvimento técnico
na construção de edificações, estradas e demais itens que permitiram um
progresso material e o crescimento da importância política das cidades. Ou
seja, a Europa ocidental estava em condições de se expandir, entre os séculos X
e XIII, diferente da sua situação anterior de invasões e enfraquecimento
político dos senhores feudais. Nesse período surgiram as Cruzadas.
Para a professora Fátima Regina Fernandes (2006),
as Cruzadas foram um movimento surgido no Ocidente e que levou a um longo
enfrentamento militar principalmente nas regiões das atuais Síria e Palestina,
entre os séculos XI e XIII, e na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV.
Já para o historiador francês Jean Flori (2013),
que analisou as relações entre o conceito de “guerra santa” e as Cruzadas,
estas foram uma guerra santa cujo objetivo era a libertação de Jerusalém. A
análise de Flori leva em conta o aumento o crescimento das peregrinações
cristãs ao Santo Sepulcro de Cristo em Jerusalém desde o final do século XI,
por isso a importância da cidade santa em sua leitura sobre as Cruzadas. Para
esse autor, a Europa ocidental modificou totalmente sua situação depois do ano
mil, passando de “cidadela sitiada” para uma região em expansão.
As mudanças na Europa ocidental incentivaram a
convocação para a Primeira Cruzada (1095-1099) pelo papa Urbano II (1042-1099)
no Concílio de Clermont em Clermont Ferrand, na França, em 25 de novembro de
1095. A convocação papal aos cristãos para lutar contra os “infiéis” muçulmanos
no Oriente a fim de libertar o Santo Sepulcro de Cristo foi a resposta do
pontífice ao pedido de auxílio do imperador bizantino Aleixo I (1056-1118),
cujos territórios na Ásia Menor estavam prestes a ser invadidos pelos turcos
seljúcidas.
Entendido brevemente o que foram as Cruzadas,
já podemos relacionar tudo o que vimos até agora para entendermos o nascimento
da islamofobia.
Karen Armstrong (2002) destaca que antes das
Cruzadas não havia muito interesse dos europeus em relação ao Profeta Muḥammad e sua religião. Isso
mudou com as Cruzadas. Se encararmos as Cruzadas como um momento de expansão da
cristandade ocidental rumo ao Oriente, vemos que os cristãos então se depararam
com um poder político islâmico forte, fosse ele árabe ou turco. Por volta de
1120 os europeus, no geral, já sabiam quem era Muḥammad e o Islã, mas claro, de
forma bem estereotipada e equivocada, se baseando muito no Mito de Mahound. Nesse
mesmo período, século XII, se desenvolveram mitos no Ocidente, como o mito de
Carlos Magno, do Rei Arthur, de Robin Hood e, claro, o Mito de Mahound, que
caía bem em um contexto histórico onde cristianismo e Islã eram, geralmente,
inimigos militares e políticos. Em um contexto de guerra, não se fala bem do
inimigo, certo? Mas lembro que as Cruzadas não podem ser resumidas apenas a
guerras. Houve momentos de trégua, quando cristãos e muçulmanos fizeram trocas
culturais.
Armstrong (2002) então afirma que o mito de
Mahound como inimigo e sombra da cristandade estava arraigado no imaginário
europeu ocidental. Vamos entender, por enquanto, imaginário de forma breve,
como um conjunto ou sistema de imagens visuais, mentais, textuais e concretas
que compõem determinado acervo ou coleção mental e conceitual de uma sociedade.
Com o mito de Mahound e as Cruzadas, um componente do imaginário ocidental que
foi gerado e permanece, até hoje, é a imagem do muçulmano como violento e
amante da guerra, do assassinato e de tudo que é ruim. Podemos perceber aí um
indício e início de islamofobia. “O
período das cruzadas, quando se estabeleceu a figura fictícia de Mahound, foi
também uma época de muita tensão e negação na Europa. Isso é claramente
expressado pela fobia contra o islã”. (ARMSTRONG, 2002: 35).
Como essa autora também afirma, o mito de
Mahound diz muito mais sobre quem o produziu. Relatos da vida do Profeta como
um libertino sexual falam mais sobrea a repressão sexual que os cristãos
medievais viviam. O estigma do Islã como “religião da espada”, criado durante
as Cruzadas, reflete as ansiedades cristãs sobre sua identidade, como a
preocupação oculta sobre a relação conflituosa entre a religiosidade agressiva
dos cruzados e a mensagem pacifista de Jesus Cristo.
Em suma, destaquei fenômenos históricos muito
antigos que influenciaram no surgimento da islamofobia, um problema que não é
de hoje, mas que de forma nenhuma precisa ser reproduzido. Espero que a
historização da islamofobia contribua para o repúdio e combate ao problema.
Comprando os livros estudados para este vídeo pelos links a seguir, você colabora com uma pequena comissão para o Orientalismo na Rede! "Maomé: uma biografia do Profeta" (ARMSTRONG, Karen) https://amzn.to/2rrXLtX "O que é mito" (ROCHA, Everardo) https://amzn.to/2rzPbbX E-book Kindle: http://amzn.to/2IvnHyn
Origens da Islamofobia 02: O Mito de Mahound
Por Thiago Damasceno
As salamu alaikum!
Estou de volta com o segundo
texto da série Origens da Islamofobia.Lembrando que, para essa série, me baseei principalmente nesse livro,
intitulado “Maomé: uma biografia do Profeta”, de Karen Armstrong. O link
para compra você encontra logo acima. A partir desse estudo, considero que
as origens da islamofobia estão no período medieval, principalmente com a
divulgação do denominado Mito de Mahound e nos acontecimentos das Cruzadas. Hoje,
irei abordar sobre esse mito.
Introdução
Como já visto em vídeo-aulas
anteriores, no período medieval, especificadamente em princípios do século VII
o Islã surgiu, na cidade de Meca, na Península Arábica, onde hoje é o Reino da
Arábia Saudita. Seu fundador histórico, assim considerado, foi o mercador Muḥammad
Ibn ᶜAbdu Allāh (570-632), conhecido posteriormente, pelos seus seguidores,
como “Profeta” ou “O Profeta”. Lembrando que “Idade Média”, “período medieval”
ou “medievo” é um dos recortes temporais em que os estudos históricos
ocidentais tradicionais dividiram a história. Vamos adotar esses recortes para
termos uma visão didática melhor das experiências humanas no Tempo.
De início, o Islã se resumia
a uma mensagem religiosa e social, mas com o tempo, se tornou também um poder militar
e político. Isso influenciou muito no surgimento do medo, do ódio e da aversão
a muçulmanos e à cultura islâmica, pois os inimigos políticos e militares do
Islã e dos muçulmanos não os viam com bons olhos, obviamente, por seres
inimigos. Um vestígio disso é o denominado Mito de Mahound. “Mahound” é uma
denominação errada dada ao Profeta Muḥammad, mais conhecido como “Maomé”, nomeação
também errada. Esse processo de uso de nomes é complexo, mas no decorrer dos
séculos se observou isso, um contato, escrita e pronúncias equivocadas em
relação ao nome do fundador do Islã. A maioria dessas denominações erradas tem
sentido pejorativo, como vamos ver no caso do mito de Mahound.
Mito
Precisamos, antes de tudo,
entender o que é mito. A palavra “mito” tem hoje diversas definições. Aqui eu
vou definir esse termo bem basicamente, pois nosso propósito ainda não é exatamente
esse.
Para estudos em História,
vamos considerar mito como uma narrativa sobre determinado acontecimento ou
pessoa, não necessariamente uma narrativa verdadeira ou falsa, pois os
critérios para se analisar um mito, em História, não são esses. O mito deve ser
encarado como uma narrativa, uma história sobre algo ou alguém, uma
interpretação. Para as sociedades antigas, era a verdade absoluta, por exemplo.
Hoje, para nós, com pensamento cientificista, o mito não é verdade absoluta,
embora carregue suas próprias verdades. Logo, o mito é uma forma de
interpretação do mundo e dos seus eventos, expressando como uma cultura entende
determinado tema ou assunto.
Nas palavras do pesquisador Everardo Rocha: “O mito é uma
narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem
suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser
visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmos, as
situações de ‘estar no mundo’ ou as relações sociais”. (ROCHA, 1985: 07).
Lembrando que, se tratando
do período antigo e medieval, os mitos são narrativas com forte teor
sobrenatural e religioso. Portanto, são comuns nos mitos mais antigos elementos
fantásticos, milagrosos ou mágicos ligados às religiões. E lembrando: não
associe mito apenas à Antiguidade e às civilizações mais famosas do período,
com a egípcia, a grega e a romana. Toda sociedade e cultura, no decorrer da
história, produziu seus mitos.
Agora eu vou direto ao
ponto, que é falar sobre o Mito de Mahound e, depois, partir para uma análise sobre
ele.
O mito
de Mahound
O mito medieval de Mahound é
sobre Muḥammad, o Profeta do Islã, relacionando-o com a escatologia cristã, ou
seja, com a doutrina e o conhecimento cristãos sobre os Últimos Tempos da
humanidade na Terra. Nesse mito, o Profeta Muḥammad, designado como Mahound,
era visto como um impostor, um charlatão que dizia ser profeta para enganar
todo mundo. Ele era considerado um libertino sexual e um homem muito violento
que conseguia adeptos à sua religião apenas à força, por meio da espada, da
conversão forçada. Mahound era também um mágico que realizava falsos milagres
para convencer os árabes crédulos e destruir as igrejas cristãs no norte da
África e no Oriente Médio.
Segundo Karen Armstrong (2002),
o Mito de Mahound foi desenvolvido na Europa no século XII, junto a outros
mitos. Mas será que ele surgiu exatamente nesse período?
É difícil rastrear um mito
para dizer quando ele surgiu. Contudo, podemos fazer algumas deduções, como
dizer que o mito de Mahound foi originado entre os séculos cristãos VII e VIII,
que dariam os séculos I e II do Islã. Por quê? Porque no século VII o Islã foi
fundado e, nesse mesmo século, se tornou um império, principalmente durante a
soberania do segundo califa, Omar Ibn al-Khattab, entre os anos cristãos 634 e
644. E também porque no século VIII já circulava no ocidente europeu uma
biografia sobre o Profeta feita por monges cristãos do mosteiro de Leyre, próximo
a Pamplona, ambos localizados hoje na Espanha. Essa biografia tinha algumas
ideias sobre o Profeta já inspiradas no Mito de Mahound, como dizer que ele
havia morrido no ano 666, e não no ano 632. Lembrando que o ano 666, para a
escatologia cristã, é o número da Besta dos Últimos Dias. Como Armstrong (2002)
diz, esse mosteiro se encontrava nos confins do mundo cristão e tremia diante
do avanço e crescimento do império islâmico.
Vamos ver um caso curioso
sobre o uso desse mito e dessa biografia para entendermos mais sobre os
princípios da islamofobia.
As interpretações
de Paulo Álvaro e Eulógio
Em meados do século IX, por
volta do ano 850, ocorreram alguns episódios violentos envolvendo cristãos e
muçulmanos em Córdoba, cidade atualmente localizada na Espanha. Naquele
contexto, os muçulmanos detinham o poder político na cidade e no sul e no centro
da Península Ibérica. Como eu já disse antes, esse domínio político islâmico na
Península Ibérica durou, oficialmente, de 711 a 1492. Esse conjunto de eventos
que ocorreu em Córdoba receberam o nome de “Os mártires de Córdoba”. Em um
vídeo futuro falarei sobre isso. Por enquanto, quero destacar aqui dois
personagens desse contexto: Paulo Álvaro e Eulógio. Paulo Álvaro era um
escritor hispânico, não religioso, e Eulógio era um padre. Ambos argumentavam
que os mártires cristãos em Córdoba eram “soldados de Deus”. Esses mártires
eram pessoas de todos os tipos e posições sociais que eram mortos a mando das
autoridades muçulmanas após insultarem o Profeta Muḥammad, crime passível de
execução.
Esses dois homens tiveram
acesso àquela biografia do Profeta que falei e, misturando o texto biográfico
com o mito de Mahound, fizeram uma interpretação interessante, cuja base era o
seguinte: a ascensão do Islã era uma preparação para a chegada do Anticristo, sendo
esse o grande impostor descrito no Novo Testamento, cujo reino anunciaria os
Últimos Dias.
A interpretação desses dois
autores era baseada em algumas informações da escatologia cristã.
A Segunda Epístola aos
Tessalonicenses, um dos livros da Bíblia Sagrada, fala que Jesus só retornará
com a Grande Apostasia, que acontecerá quando um rebelde estabelecer seu
reinado em Jerusalém e desviar muitos cristãos com doutrinas sedutoras.
Indo nesse vertente, o livro
do Apocalipse fala de uma grande Besta, marcada com o número 666, que irá
rastejar para fora do abismo e se entronará no Monte do Templo, na cidade de
Jerusalém, para governar o mundo.
Lembro aqui que a
interpretação de Paulo Álvaro e Eulógio também foi disseminada naquele meio. Desse
modo, para eles e para muitos outros cristãos medievais, o crescimento e fortalecimento do Islã eram
relacionados com a chegada do Anticristo. O rebelde que estabeleceria seu trono
em Jerusalém para enganar muitos cristãos com doutrinas sedutoras era o Profeta
Muḥammad, que se dizia profeta mesmo após a primeira vinda de Cristo, ainda
mais que os muçulmanos tinham conquistado Jerusalém em 638 e construído duas
grandes mesquitas no Monte do Templo. Assim, aos olhos cristãos ocidentais,
parecia que os muçulmanos estavam controlando o mundo. Além disso, o ano 666
estabelecido como o ano de morte do Profeta o relacionava diretamente com a
Besta que viria do abismo.
Em suma, para os cristãos
medievais que acreditavam no mito de Mahound e tinham acesso a uma obscura
biografia cristã do século VIII sobre o Profeta, o Islã, seu fundador e sua
expansão se encaixavam perfeitamente em profecias apocalípticas e em discursos
e imagens negativas e diabólicas. Eis aí uma das origens da islamofobia. O mito
de Mahound e obras poucos objetivas sobre o Profeta do Islã não o viam como uma
figura histórica, mas como um agente do Mal.
Considerações
finais
Um mito diz muito sobre a
sociedade que o produziu. Como aponta Armstrong (2002), o Islã era a grande
potência do período medieval, enquanto que os reinos europeus ocidentais estavam
divididos e enfraquecidos, pelo menos até o final do século XI, período de
início das Cruzadas. Esse mundo europeu, ameaçado por invasões não só de
muçulmanos, mas também de nórdicos, asiáticos, dentre outros, tinha medo do
avanço político, militar e cultural dos muçulmanos.
E como se não bastasse tudo isso, o
crescimento e o sucesso do Islã também colocavam, aos cristãos, uma questão
teológica delicada e importante: se o cristianismo era a religião verdadeira e
tudo acontecia segundo a vontade de Deus, como Deu permitia a prosperidade
dessa fé profana? Teria Deus abandonado seu próprio povo? (ARMSTRONG, 2002).
Além disso, de início, o
cristianismo também não considerava o Islã como uma Revelação ou religião
independente, mas como uma heresia, uma forma fracassada de cristianismo, uma
heresia violenta que glorificava a guerra, a morte e o assassinato.
Se você gostou dessa segunda
parte da série Origens da Islamofobia, não perca a próxima e última
parte, onde vou comentar também sobre as Cruzadas.
As salamu alaikum e até
a próxima!
Referências
ARMSTRONG, Karen. Maomé:
uma biografia do Profeta. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
ROCHA, Everardo. O que é
mito. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Este é o primeiro texto e o primeiro vídeo de
uma pequena série sobre as origens da islamofobia, tema em voga nestes tempos
de refugiados e de discursos sobre uma temível “invasão islâmica” em certos
países do Ocidente. Para essa série, me baseei principalmente nesse livro,
intitulado “Maomé: uma biografia do Profeta”, de Karen Armstrong. O link
para compra você encontra logo acima. A partir desse estudo,defendo que as origens da islamofobia estão no
período medieval, principalmente com a divulgação do denominado Mito de Mahound
e nos acontecimentos das Cruzadas. Para este momento, vou definir “islamofobia”
e, nos próximos textos e vídeos, falarei sobre esse mito e as Cruzadas.
Conceituando
e Entendendo
O conceito de “islamofobia” não é consensual.
Há várias definições. De forma simples, podemos começar conceituando
islamofobia como o conjunto de preconceitos negativos, de medos, de ódios e de aversões
a muçulmanos e muçulmanas e à cultura islâmica em geral.
Como aponta Araújo (2017), segundo S. Sayyid
em “Uma medida da islamofobia”, a islamofobia é "como uma forma de governamentalização racializada. É mais que um preconceito ou ignorância; é uma série de intervenções e classificações que afetam o bem-estar das populações designadas como muçulmanas". Vemos que essa definição considera a dimensão política, e não só as dimensões religiosa, cultural e emocional do problema.
Nesse quadro, quem mais sofre ataques
islamofóbicos, tanto verbais quanto físicos são as mulheres, pois elas não só
compõem um grupo em situação social mais vulnerável do que a dos homens como
também a maioria utiliza o famoso lenço islâmico, o hijab, cobrindo a
cabeça, sendo facilmente mais identificadas como adeptas do Islã.
A islamofobia é um fenômeno social grave que
já atingiu grandes dimensões nos Estados Unidos e na Europa. Aqui no Brasil,
ainda nem tanto, mas é claro que existe por aqui também. Sendo um medo, a
islamofobia pode se expressar e se expressa de forma agressiva, tanto em
discursos, falas e pensamentos quanto em ações concretas. Freud explica. Casos
de atentados contra árabes e muçulmanos no mundo também por preconceito e
xenofobia são vários. Lembro aqui que “árabes” e “muçulmanos” não são
sinônimos, mas são bem relacionados, pois o Islã surgiu no contexto da cultura
árabe e muitos árabes por todo o mundo são muçulmanos. Na hora do medo, essa
associação entre árabes e muçulmanos é maior ainda.
Geralmente, a islamofobia vem de pessoas
adeptas a outras religiões e culturas, ou pelo menos que se dizem adeptas de
certa religião ou cultura. Contudo, no caso da islamofobia, curiosamente, um
grupo que se diz islâmico, como o “Estado Islâmico” (“Daesh” em árabe),
pratica atentados contra muçulmanos, logo, também pode ser visto como
islamofóbico. Complicado, certo? Fica então essa questão para refletirmos.
Outro ponto importante para se dizer:
islamofobia é um crime de ódio. Dos crimes de ódio, é o que mais cresce na
Europa em um contexto de migração de populações muçulmanas, de atentados
terroristas e também de um antissemitismo que, de fato, nunca foi superado pela
Europa. O antissemitismo é o conjunto de preconceitos e aversões aos povos
considerados semitas, dentre eles, judeus e muçulmanos. O termo “semita” faz
alusão a vários povos, com traços culturais comuns, que compõem um mesmo
conjunto linguístico. O nome vem, tradicional e, religiosamente, de Sem, filho
de Noé, um dos patriarcas bíblicos (GASPARETTO JÚNIOR, 2018).
Voltando ao contexto europeu...
Imigrantes que professam a fé islâmica e seus
descendentes relatam o crescimento da violência e o medo de saírem nas ruas e
serem marginalizados. Alguns dados para exemplificar: em 2014, Londres registrou um aumento de 70% de ataques contra
muçulmanos em relação ao ano anterior; e em 2015 na Espanha, 40% dos delitos vinculados
a crimes de ódio foram registrados como islamofobia (CUNHA, 2017).
Antes de finalizar este primeiro texto,
destaco uma importante consideração de Reginaldo Nasser, professor do
Departamento de Relações Internacionais da PUC de SP. Ele defende que devemos
considerar o quesito classe social ao se falar em islamofobia, pois esse
fenômeno só ocorre com muçulmanos pobres. Em relação a muçulmanos ricos, tanto
no Oriente quanto na Europa, pouca coisa ou quase nada acontece. A islamofobia
seria então um fenômeno mais relacionado à questão de classes sociais, logo,
aos pobres e aos não ricos (NASSER, 2017).
Considerações Finais
A islamofobia, enquanto crime contra
indivíduos e grupos, precisa ser combatida tanto no nível do discurso quanto no
campo de políticas públicas. Esse crime de ódio não deve ser tolerada se o que
procuramos é construir sociedades mais justas e igualitárias.
Muito obrigado pela atenção neste primeiro texto
da série Origens da Islamofobia Amanhã será lançado o texto e o vídeo
onde vamos, especificadamente, procurar traços desse medo ao Islã no decorrer
do tempo.
Um abraço e até logo!
Referências
ARAÚJO, Marta.
Vamos falar sobre islamofobia? In: Público, 01 de dezembro de 2017.