Terceiro e último vídeo da série Origens da Islamofobia!
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“Maomé:
uma biografia do Profeta” (ARMSTRONG, Karen)
“História das
guerras” (MAGNOLI, Demétrio (org.))
“Guerra santa:
formação da ideia de cruzada no Ocidente cristão” (FLORI, Jean)
“Os três dedos
de Adão: ensaios de mitologia medieval” (FRANCO JÚNIOR, Hilário)
“Viajar en la
Edad Media” (DUARTE, José Ignacio de la Iglesia (org.))
Origens da Islamofobia 03: As Cruzadas
Por Thiago Damasceno
As salamu alaikum!
Agora vamos abordar,
de forma introdutória, as Cruzadas. Posteriormente, farei um texto mais aprofundado
sobre o tema. Então, o que foram as Cruzadas?
Enquanto o Islã crescia religiosa, cultural,
política e territorialmente, os reinos europeus ocidentais estavam divididos e
enfraquecidos. Karen Armstrong (2002) até fala que o Islã era a potência na
época. No entanto, podemos questionar essa ideia de “potência”. Claro que o
Islã tinha grande poder no período medieval, mas lembro que seu território e
suas jurisdições políticas não estavam unificadas e unidas, mas divididas nas
formas de vários califados. Mas chegou um momento em que as coisas começaram a
mudar para os reinos europeus ocidentais. Vallejo (2009) situa essas mudanças entre
os séculos XI e XIII.
O que aconteceu com a Europa nesse período?
De forma geral, climas melhores favoreceram mais colheitas e mais alimentos
para uma população que já estava crescendo muito. Também houve desenvolvimento técnico
na construção de edificações, estradas e demais itens que permitiram um
progresso material e o crescimento da importância política das cidades. Ou
seja, a Europa ocidental estava em condições de se expandir, entre os séculos X
e XIII, diferente da sua situação anterior de invasões e enfraquecimento
político dos senhores feudais. Nesse período surgiram as Cruzadas.
Para a professora Fátima Regina Fernandes (2006),
as Cruzadas foram um movimento surgido no Ocidente e que levou a um longo
enfrentamento militar principalmente nas regiões das atuais Síria e Palestina,
entre os séculos XI e XIII, e na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV.
Já para o historiador francês Jean Flori (2013),
que analisou as relações entre o conceito de “guerra santa” e as Cruzadas,
estas foram uma guerra santa cujo objetivo era a libertação de Jerusalém. A
análise de Flori leva em conta o aumento o crescimento das peregrinações
cristãs ao Santo Sepulcro de Cristo em Jerusalém desde o final do século XI,
por isso a importância da cidade santa em sua leitura sobre as Cruzadas. Para
esse autor, a Europa ocidental modificou totalmente sua situação depois do ano
mil, passando de “cidadela sitiada” para uma região em expansão.
As mudanças na Europa ocidental incentivaram a
convocação para a Primeira Cruzada (1095-1099) pelo papa Urbano II (1042-1099)
no Concílio de Clermont em Clermont Ferrand, na França, em 25 de novembro de
1095. A convocação papal aos cristãos para lutar contra os “infiéis” muçulmanos
no Oriente a fim de libertar o Santo Sepulcro de Cristo foi a resposta do
pontífice ao pedido de auxílio do imperador bizantino Aleixo I (1056-1118),
cujos territórios na Ásia Menor estavam prestes a ser invadidos pelos turcos
seljúcidas.
Entendido brevemente o que foram as Cruzadas,
já podemos relacionar tudo o que vimos até agora para entendermos o nascimento
da islamofobia.
Karen Armstrong (2002) destaca que antes das
Cruzadas não havia muito interesse dos europeus em relação ao Profeta Muḥammad e sua religião. Isso
mudou com as Cruzadas. Se encararmos as Cruzadas como um momento de expansão da
cristandade ocidental rumo ao Oriente, vemos que os cristãos então se depararam
com um poder político islâmico forte, fosse ele árabe ou turco. Por volta de
1120 os europeus, no geral, já sabiam quem era Muḥammad e o Islã, mas claro, de
forma bem estereotipada e equivocada, se baseando muito no Mito de Mahound. Nesse
mesmo período, século XII, se desenvolveram mitos no Ocidente, como o mito de
Carlos Magno, do Rei Arthur, de Robin Hood e, claro, o Mito de Mahound, que
caía bem em um contexto histórico onde cristianismo e Islã eram, geralmente,
inimigos militares e políticos. Em um contexto de guerra, não se fala bem do
inimigo, certo? Mas lembro que as Cruzadas não podem ser resumidas apenas a
guerras. Houve momentos de trégua, quando cristãos e muçulmanos fizeram trocas
culturais.
Armstrong (2002) então afirma que o mito de
Mahound como inimigo e sombra da cristandade estava arraigado no imaginário
europeu ocidental. Vamos entender, por enquanto, imaginário de forma breve,
como um conjunto ou sistema de imagens visuais, mentais, textuais e concretas
que compõem determinado acervo ou coleção mental e conceitual de uma sociedade.
Com o mito de Mahound e as Cruzadas, um componente do imaginário ocidental que
foi gerado e permanece, até hoje, é a imagem do muçulmano como violento e
amante da guerra, do assassinato e de tudo que é ruim. Podemos perceber aí um
indício e início de islamofobia. “O
período das cruzadas, quando se estabeleceu a figura fictícia de Mahound, foi
também uma época de muita tensão e negação na Europa. Isso é claramente
expressado pela fobia contra o islã”. (ARMSTRONG, 2002: 35).
Como essa autora também afirma, o mito de
Mahound diz muito mais sobre quem o produziu. Relatos da vida do Profeta como
um libertino sexual falam mais sobrea a repressão sexual que os cristãos
medievais viviam. O estigma do Islã como “religião da espada”, criado durante
as Cruzadas, reflete as ansiedades cristãs sobre sua identidade, como a
preocupação oculta sobre a relação conflituosa entre a religiosidade agressiva
dos cruzados e a mensagem pacifista de Jesus Cristo.
Em suma, destaquei fenômenos históricos muito
antigos que influenciaram no surgimento da islamofobia, um problema que não é
de hoje, mas que de forma nenhuma precisa ser reproduzido. Espero que a
historização da islamofobia contribua para o repúdio e combate ao problema.
As salamu alaikum e até a
próxima!