sexta-feira, 11 de maio de 2018

Origens da Islamofobia 02: O Mito de Mahound




Comprando os livros estudados para este vídeo pelos links a seguir, você colabora com uma pequena comissão para o Orientalismo na Rede!

"Maomé: uma biografia do Profeta" (ARMSTRONG, Karen)
https://amzn.to/2rrXLtX

"O que é mito" (ROCHA, Everardo)
https://amzn.to/2rzPbbX
E-book Kindle:
http://amzn.to/2IvnHyn



Origens da Islamofobia 02: O Mito de Mahound 

Por Thiago Damasceno


As salamu alaikum!
Estou de volta com o segundo texto da série Origens da Islamofobia.  Lembrando que, para essa série, me baseei principalmente nesse livro, intitulado “Maomé: uma biografia do Profeta”, de Karen Armstrong. O link para compra você encontra logo acima. A partir desse estudo, considero que as origens da islamofobia estão no período medieval, principalmente com a divulgação do denominado Mito de Mahound e nos acontecimentos das Cruzadas. Hoje, irei abordar sobre esse mito.

Introdução

Como já visto em vídeo-aulas anteriores, no período medieval, especificadamente em princípios do século VII o Islã surgiu, na cidade de Meca, na Península Arábica, onde hoje é o Reino da Arábia Saudita. Seu fundador histórico, assim considerado, foi o mercador Muḥammad Ibn ᶜAbdu Allāh (570-632), conhecido posteriormente, pelos seus seguidores, como “Profeta” ou “O Profeta”. Lembrando que “Idade Média”, “período medieval” ou “medievo” é um dos recortes temporais em que os estudos históricos ocidentais tradicionais dividiram a história. Vamos adotar esses recortes para termos uma visão didática melhor das experiências humanas no Tempo.
De início, o Islã se resumia a uma mensagem religiosa e social, mas com o tempo, se tornou também um poder militar e político. Isso influenciou muito no surgimento do medo, do ódio e da aversão a muçulmanos e à cultura islâmica, pois os inimigos políticos e militares do Islã e dos muçulmanos não os viam com bons olhos, obviamente, por seres inimigos. Um vestígio disso é o denominado Mito de Mahound. “Mahound” é uma denominação errada dada ao Profeta Muḥammad, mais conhecido como “Maomé”, nomeação também errada. Esse processo de uso de nomes é complexo, mas no decorrer dos séculos se observou isso, um contato, escrita e pronúncias equivocadas em relação ao nome do fundador do Islã. A maioria dessas denominações erradas tem sentido pejorativo, como vamos ver no caso do mito de Mahound.

Mito

Precisamos, antes de tudo, entender o que é mito. A palavra “mito” tem hoje diversas definições. Aqui eu vou definir esse termo bem basicamente, pois nosso propósito ainda não é exatamente esse.
Para estudos em História, vamos considerar mito como uma narrativa sobre determinado acontecimento ou pessoa, não necessariamente uma narrativa verdadeira ou falsa, pois os critérios para se analisar um mito, em História, não são esses. O mito deve ser encarado como uma narrativa, uma história sobre algo ou alguém, uma interpretação. Para as sociedades antigas, era a verdade absoluta, por exemplo. Hoje, para nós, com pensamento cientificista, o mito não é verdade absoluta, embora carregue suas próprias verdades. Logo, o mito é uma forma de interpretação do mundo e dos seus eventos, expressando como uma cultura entende determinado tema ou assunto.
Nas palavras do pesquisador Everardo Rocha: “O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se refletir sobre a existência, o cosmos, as situações de ‘estar no mundo’ ou as relações sociais”. (ROCHA, 1985: 07).
Lembrando que, se tratando do período antigo e medieval, os mitos são narrativas com forte teor sobrenatural e religioso. Portanto, são comuns nos mitos mais antigos elementos fantásticos, milagrosos ou mágicos ligados às religiões. E lembrando: não associe mito apenas à Antiguidade e às civilizações mais famosas do período, com a egípcia, a grega e a romana. Toda sociedade e cultura, no decorrer da história, produziu seus mitos.
Agora eu vou direto ao ponto, que é falar sobre o Mito de Mahound e, depois, partir para uma análise sobre ele.

O mito de Mahound

O mito medieval de Mahound é sobre Muḥammad, o Profeta do Islã, relacionando-o com a escatologia cristã, ou seja, com a doutrina e o conhecimento cristãos sobre os Últimos Tempos da humanidade na Terra. Nesse mito, o Profeta Muḥammad, designado como Mahound, era visto como um impostor, um charlatão que dizia ser profeta para enganar todo mundo. Ele era considerado um libertino sexual e um homem muito violento que conseguia adeptos à sua religião apenas à força, por meio da espada, da conversão forçada. Mahound era também um mágico que realizava falsos milagres para convencer os árabes crédulos e destruir as igrejas cristãs no norte da África e no Oriente Médio.
Segundo Karen Armstrong (2002), o Mito de Mahound foi desenvolvido na Europa no século XII, junto a outros mitos. Mas será que ele surgiu exatamente nesse período?
É difícil rastrear um mito para dizer quando ele surgiu. Contudo, podemos fazer algumas deduções, como dizer que o mito de Mahound foi originado entre os séculos cristãos VII e VIII, que dariam os séculos I e II do Islã. Por quê? Porque no século VII o Islã foi fundado e, nesse mesmo século, se tornou um império, principalmente durante a soberania do segundo califa, Omar Ibn al-Khattab, entre os anos cristãos 634 e 644. E também porque no século VIII já circulava no ocidente europeu uma biografia sobre o Profeta feita por monges cristãos do mosteiro de Leyre, próximo a Pamplona, ambos localizados hoje na Espanha. Essa biografia tinha algumas ideias sobre o Profeta já inspiradas no Mito de Mahound, como dizer que ele havia morrido no ano 666, e não no ano 632. Lembrando que o ano 666, para a escatologia cristã, é o número da Besta dos Últimos Dias. Como Armstrong (2002) diz, esse mosteiro se encontrava nos confins do mundo cristão e tremia diante do avanço e crescimento do império islâmico.
Vamos ver um caso curioso sobre o uso desse mito e dessa biografia para entendermos mais sobre os princípios da islamofobia.

As interpretações de Paulo Álvaro e Eulógio

Em meados do século IX, por volta do ano 850, ocorreram alguns episódios violentos envolvendo cristãos e muçulmanos em Córdoba, cidade atualmente localizada na Espanha. Naquele contexto, os muçulmanos detinham o poder político na cidade e no sul e no centro da Península Ibérica. Como eu já disse antes, esse domínio político islâmico na Península Ibérica durou, oficialmente, de 711 a 1492. Esse conjunto de eventos que ocorreu em Córdoba receberam o nome de “Os mártires de Córdoba”. Em um vídeo futuro falarei sobre isso. Por enquanto, quero destacar aqui dois personagens desse contexto: Paulo Álvaro e Eulógio. Paulo Álvaro era um escritor hispânico, não religioso, e Eulógio era um padre. Ambos argumentavam que os mártires cristãos em Córdoba eram “soldados de Deus”. Esses mártires eram pessoas de todos os tipos e posições sociais que eram mortos a mando das autoridades muçulmanas após insultarem o Profeta Muḥammad, crime passível de execução.
Esses dois homens tiveram acesso àquela biografia do Profeta que falei e, misturando o texto biográfico com o mito de Mahound, fizeram uma interpretação interessante, cuja base era o seguinte: a ascensão do Islã era uma preparação para a chegada do Anticristo, sendo esse o grande impostor descrito no Novo Testamento, cujo reino anunciaria os Últimos Dias.
A interpretação desses dois autores era baseada em algumas informações da escatologia cristã.
A Segunda Epístola aos Tessalonicenses, um dos livros da Bíblia Sagrada, fala que Jesus só retornará com a Grande Apostasia, que acontecerá quando um rebelde estabelecer seu reinado em Jerusalém e desviar muitos cristãos com doutrinas sedutoras.
Indo nesse vertente, o livro do Apocalipse fala de uma grande Besta, marcada com o número 666, que irá rastejar para fora do abismo e se entronará no Monte do Templo, na cidade de Jerusalém, para governar o mundo.
Lembro aqui que a interpretação de Paulo Álvaro e Eulógio também foi disseminada naquele meio. Desse modo, para eles e para muitos outros cristãos medievais,  o crescimento e fortalecimento do Islã eram relacionados com a chegada do Anticristo. O rebelde que estabeleceria seu trono em Jerusalém para enganar muitos cristãos com doutrinas sedutoras era o Profeta Muḥammad, que se dizia profeta mesmo após a primeira vinda de Cristo, ainda mais que os muçulmanos tinham conquistado Jerusalém em 638 e construído duas grandes mesquitas no Monte do Templo. Assim, aos olhos cristãos ocidentais, parecia que os muçulmanos estavam controlando o mundo. Além disso, o ano 666 estabelecido como o ano de morte do Profeta o relacionava diretamente com a Besta que viria do abismo.
Em suma, para os cristãos medievais que acreditavam no mito de Mahound e tinham acesso a uma obscura biografia cristã do século VIII sobre o Profeta, o Islã, seu fundador e sua expansão se encaixavam perfeitamente em profecias apocalípticas e em discursos e imagens negativas e diabólicas. Eis aí uma das origens da islamofobia. O mito de Mahound e obras poucos objetivas sobre o Profeta do Islã não o viam como uma figura histórica, mas como um agente do Mal.

Considerações finais

Um mito diz muito sobre a sociedade que o produziu. Como aponta Armstrong (2002), o Islã era a grande potência do período medieval, enquanto que os reinos europeus ocidentais estavam divididos e enfraquecidos, pelo menos até o final do século XI, período de início das Cruzadas. Esse mundo europeu, ameaçado por invasões não só de muçulmanos, mas também de nórdicos, asiáticos, dentre outros, tinha medo do avanço político, militar e cultural dos muçulmanos.
 E como se não bastasse tudo isso, o crescimento e o sucesso do Islã também colocavam, aos cristãos, uma questão teológica delicada e importante: se o cristianismo era a religião verdadeira e tudo acontecia segundo a vontade de Deus, como Deu permitia a prosperidade dessa fé profana? Teria Deus abandonado seu próprio povo? (ARMSTRONG, 2002).
Além disso, de início, o cristianismo também não considerava o Islã como uma Revelação ou religião independente, mas como uma heresia, uma forma fracassada de cristianismo, uma heresia violenta que glorificava a guerra, a morte e o assassinato.
Se você gostou dessa segunda parte da série Origens da Islamofobia, não perca a próxima e última parte, onde vou comentar também sobre as Cruzadas.
As salamu alaikum e até a próxima!

Referências

ARMSTRONG, Karen. Maomé: uma biografia do Profeta. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

ROCHA, Everardo. O que é mito. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Nenhum comentário:

Postar um comentário